Uma demanda de amor

A senhora de 65 anos, funcionária durante anos naquela instituição pública, perguntou à enfermeira em que data seria aplicada a vacina antigripal. A moça informou-lhe que ainda não havia sido definido o período. Foi o bastante para que ela disparasse, exaltada:

– É um absurdo o que vocês fazem com os aposentados! Como é que essa Casa se esquece assim da gente? Eu vou fazer uma reclamação, porque vocês deveriam comunicar a todos os aposentados sobre os programas de saúde que fazem aqui. Eu sei que tem muitos! Mas…não! Vocês não avisam nada! Eu vou reclamar disso!

– Está tudo publicado na intranet, senhora – respondeu o médico, ao lado.
– Mas eu não tenho computador! Vocês deveriam mandar uma carta!
– Mas, senhora, hoje em dia, com a questão da sustentabilidade e do meio ambiente, não estamos mais imprimindo comunicados…
– Então, vocês deveriam telefonar!
– Mas se formos ligar para todos os aposentados, não faremos mais nada…
– O fato é que vocês não nos comunicam nada! Eu me aposentei há 20 anos, fui obrigada a aposentar…E, pra vocês, parece que aposentado é nada! Eu vou reclamar!
A enfermeira limitou-se a balançar a cabeça, enquanto a senhora retirava de cena toda a sua raiva. O médico, surpreso com a reação da mulher, disparou:
– Que amargura! Esse é um exemplo de tudo o que eu não quero ser na vida!
Eu, que assisti àquela cena, dei asas ao meu imaginário. Talvez aquela mulher não tivesse família; talvez não tivesse se casado nem tivesse filhos; talvez morasse sozinha num apartamento pequeno e escuro e se perdesse, todas as noites, no meio de lembranças de dias mais felizes. Talvez não tivesse a quem recorrer quando a febre lhe assaltava alta madrugada. Não…sua verdadeira demanda não se referia à vacina antigripal.
O que essa senhora pedia era amor e reconhecimento. Ela queria ser vista pelos seus interlocutores, queria que lhe assegurassem que ainda estava viva, que ainda havia o que fazer e aprender. Não é o que todos queremos? Driblar a castração postulada por Freud?
Numa linguagem mais coloquial, queremos ser a pessoa mais importante do mundo para todos a toda hora, mesmo sabendo ser um desejo infantil. Um desejo que ainda morava naquele corpo de 65 anos, uma vez que a criança que fomos sempre habitará nossa alma.
Dessa cena, fica uma lição: Possivelmente, tanta raiva e amargura pela sua invisibilidade crônica não surgiram da noite para o dia. Foram cultivadas durante um bom tempo. Não saberemos as contingências da sua vida, que a levaram à essa demanda explícita de amor.
Não saberemos que atitudes tomou – se realmente as tomou – para que sua voz fosse ouvida. Então, é providencial ter em mente que “o plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória”, conforme diz aquela famosa frase, cujo autor desconheço. Portanto, nos anos da nossa juventude, que consigamos plantar autoconhecimento, leveza, paz, bem estar…para colher os frutos daí advindos. Enquanto ainda há tempo.
Autora: Ivana Rocha

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