Trabalhar: prazer ou punição? Por que é tão difícil trabalhar?
Entreguei a chave e o cartão ao manobrista e ele, titubeando, perguntou ao companheiro:
– Você pega o carro dela?
– Eu, não. Ainda tô em horário de almoço e não vou trabalhar nem um minuto de graça.
Fiquei perplexa! Não porque ele não estivesse disposto a trazer o carro dessa que vos escreve. Mas, sim, pela preguiça e má vontade. Pela falta de gentileza. Pela dificuldade do rapaz em pensar além do aqui e agora…
Existem pessoas que passam anos em empregos que odeiam, sendo assediados moralmente por chefes perversos e, mesmo assim, não tomam providências, esperando que a aposentadoria traga a felicidade.
Ninguém é obrigado a trabalhar de graça. Isso é escravidão e sobre esse tema nosso país foi mestre durante anos. Escravidão ainda existe, de forma explícita e disfarçada, em vários pontos do planeta e as manchetes dos jornais apontam para o fato, de vez em quando. As pessoas de boa índole a querem extinta. Mas, a eficiência do profissional – seja ele de que área for – sua presteza, educação, astúcia e simpatia, são pontos a se considerar e a conquistar o cliente, que, grato, tenderá a recompensá-lo.
No estacionamento que citei havia um rapaz correto, sério e produtivo. Avisei-lhe, logo no começo, que tinha um horário diferenciado e uma vida tomada por inúmeros compromissos ao longo do dia. Portanto, precisava do carro tão logo chegasse. Perguntei – lhe se achava possível agilizar o processo. Só precisei pedir uma vez. Todos os dias, eu mal apontava e ele já trazia o carro. Passei a lhe dar uma gorjeta toda sexta-feira e a lhe levar presentes, de vez em quando. Como trabalhava bem demais, os colegas se acostumaram e passaram a fazer corpo mole. Sobrava tudo pra ele. Foi punido com excesso de trabalho porque levava sua função a sério. Até que encheu-se. Pediu demissão. Disse-lhe para deixar o email e o telefone, pois acreditava que não ficaria desempregado por muito tempo. Pouco depois, meu marido arrumou – lhe um emprego com uma amiga, proprietária de outro estacionamento. Não sei se ele continua por lá, mas é o tipo de pessoa que não tem medo de botar a mão na massa e sabe que precisa ganhar o pão com dignidade.
O que quero dizer, com todo esse discurso, é que sua função não requeria muita astúcia nem estratégias para desempenhá-la. Mas, mesmo sendo um trabalho bastante automatizado e corriqueiro, ele conseguia imprimir uma qualidade inigualável no desempenho do mesmo. Isso era dele! Suas qualidades pessoais e profissionais estavam marcadas naquilo que ele fazia, porque estavam gravadas no seu jeito de ser.